Seu navegador não suporta java script, alguns recursos estarão limitados. Violência contra a mulher - Conselho Nacional do Ministério Público

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO lançou um desafio através da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF) e da ENASP (ESTRATÉGIA NACIONAL DE JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA): convidou o público a escrever sobre a violência contra a mulher. O objetivo? Divulgar, através do debate eminentemente jurídico, a atuação do Ministério Público brasileiro no combate e prevenção à violência sofrida pela mulher, em especial no caso do Feminicídio, crime tipificado pela Lei nº 13.104/2015, em vigor desde 10 de março de 2015.

A ideia central de conclamar a comunidade para enfrentar a covardia infame praticada contra a mulher foi muito mais do que um repto intelectual, uma instigação acadêmica ou uma peleja jurídica. Foi isto, e além, como o leitor terá a oportunidade de conferir.

Com tom crítico, os textos podem até ser comparados a panfletagem, no caso, brochura mais do que legítima, a bradar em nome de mulheres que não puderam falar ou que foram caladas à força.

Como é sabido, a história demonstra que a violência contra a mulher é um tema tão antigo quanto a evolução da humanidade. A novidade foi que, na segunda metade do século XX, as mulheres tomaram para si a consciência da inferioridade geral, comumente acatada, até então, como um modo imanente de ser, submissão desvalorizada, que ia desde a repressão dos desejos íntimos à sub-remuneração do trabalho.

Nas décadas seguintes, mulheres corajosas, destemidas, heroínas, ainda vivas ou em memória, como Diana Russel (a quem se atribui a denominação do fenômeno), as vítimas de Ciudad Juarez, no México, e Maria da Penha, no Brasil, institucionalizaram seus testemunhos e conseguiram elevar o problema do gênero feminino ao patamar jurídico-normativo.

Sob a ótica jurídica, a história do Direito também conta a epopeia do conflito entre os gêneros. No nível pontual dos exemplos, como é exigido de um prefácio, pelo menos dois macromarcos normativos precisam ser mencionados: a Convenção CEDAW (1979) e a Convenção de Belém do Pará (1994).

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (sigla em inglês, CEDAW) foi aprovada na ONU. Os seus dois artigos inaugurais dão o tom do que era esperado das nações participantes:

Artigo 1º. Para os fi ns da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” signifi cará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Artigo 2º Os Estados-Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a: a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio; b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; d) abster-se de incorrer em todo ato ou a prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação; e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa; f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher; g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.

A OEA cuidou da edição da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), cujo eixo pode ser detectado através da assertividade de alguns dispositivos:

Artigo 3º. Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.

Artigo 4º Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros: a. direito a que se respeite sua vida; b. direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral; c. direito à liberdade e à segurança pessoais; d. direito a não ser submetida a tortura; e. direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família; f. direito a igual proteção perante a lei e da lei; g.direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos; h. direito de livre associação; i. direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e j. direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.

Artigo 5º Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos.

Artigo 6 º O direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros: a. o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação; e b. o direito da mulher a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.

No plano interno, o Brasil publicou no ano de 2006 a Lei nº 11.304/20061, voltada à proteção da mulher vítima de violência (popularizada pelo nome da sobrevivente Maria da Penha), sendo que no mês de março de 2015 foi editada a Lei nº 13.104/2015, especificamente voltada ao homicídio cometido contra a mulher, por motivo de ódio (destilado), menosprezo (egoísta) ou discriminação (subvertida), exclusivamente face à condição feminina.

Numa perspectiva otimista, se a elevação do crime de Feminicídio à categoria de crime hediondo (art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.072/90) não é a solução para o fim da discriminação da mulher enquanto gênero, é, com certeza, uma forma de empoderar o seu status, colocando na lei – que não pode ser ignorada por ninguém (art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) – uma punição mais severa, exatamente em função da motivação do crime de homicídio recair sobre a condição feminina da vítima (art. 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal).

Foi cumprindo a orientação da Constituição da República (art. 5º, inciso I, da CRFB/88) que o Poder Legislativo exerceu a sua missão, votando leis destinadas à proteção da condição da mulher (Lei nº 11.340/2006 e Lei nº /2015). No caso do Feminicídio, a pena cominada de seis a 20 vinte anos passou a ser de 12 a 30 anos, um aumento diretamente proporcional à importância que o Brasil reconhece à condição peculiar da mulher, ou seja, ao gênero feminino.

Portanto, desde de 10 de março de 2015, com a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, tem cabido ao Poder Executivo reprimir com mais tenacidade o Feminicídio; e ao Poder Judiciário julgar os homicídios nos quais as mulheres foram vitimadas pela condição de mulher. Entre a Polícia investigativa e o Poder Judiciário é que está o Ministério Público; e justamente porque é o titular exclusivo da ação penal pública, caberá a ele perseguir vigorosamente os culpados, em nome de todas as mulheres vitimadas que através da sua voz clamam por justiça.

Terminando, a realidade faz concluir que, infelizmente, não será o fim da maldade contra as mulheres; mas, pelo menos, já é uma contribuição ao reconhecimento da condição de ser mulher (art. 3º, IV, da CRFB/88), passo necessário rumo ao progresso da humanidade (art.4º, IX, da CRFB/88).

Valter Shuenquener de Araújo
Conselheiro Nacional do Ministério Público

Ano: 2018
Categoria: Publicações
Assunto: Violência
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