Seu navegador não suporta java script, alguns recursos estarão limitados. Conselheiro Valter Shuenquener trata do enfrentamento da violência doméstica com autoridades da Holanda - Conselho Nacional do Ministério Público
Violência doméstica
Publicado em 23/10/19, às 16h31.

mp1paintNesta quarta-feira, 23 de outubro, o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), conselheiro Valter Shuenquener, reuniu-se com autoridades do Ministério Público, do Ministério da Saúde, Bem-Estar e Esportes, e do Ministério da Justiça da Holanda.

Os encontros ocorreram em Haia, sede do governo holandês, e tiveram por objetivo o intercâmbio de ideias e experiências a respeito do enfrentamento da violência doméstica. As reuniões fazem parte da missão conduzida em virtude do Programa Diálogos Setoriais: União Europeia e Brasil, apoiado pela Delegação da União Europeia no Brasil. As visitas também foram acompanhadas por Marisa de Queirós Monteiro Borsboom, representante da organização não governamental Humanity of Things (Humanity Hub).

As boas práticas adotadas pelos órgãos holandeses comporão o conjunto de subsídios colhidos durante a missão, tendo em vista a implementação e o aprimoramento de um formulário de avaliação de risco padronizado que possa ser utilizado pelas autoridades brasileiras envolvidas no combate da violência doméstica contra a mulher.

Visita ao Ministério Público neerlandês

mp2paintNo início do dia, Valter Shuenquener reuniu-se com a representante do Ministério Público neerlandês, Judith van Schoonderwoerd den Bezemer-Wolters. Na ocasião, o conselheiro apresentou o Programa Diálogos Setoriais Brasil: União Europeia e as iniciativas do CNMP relacionadas aos crimes de violência doméstica contra a mulher, sobretudo o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (FRIDA).

"Estamos trabalhando para implementar o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida em todo o Brasil e esperamos alcançar resultados expressivos no enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres. O FRIDA permite que as autoridades identifiquem o grau de vulnerabilidade das vítimas e optem pelas medidas protetivas mais adequadas para cada caso concreto. Nesse sentido, o projeto da CDDF/CNMP, inserido no âmbito do Programa Diálogos Setoriais Brasil: União Europeia, está alinhado com os eixos de desenvolvimento sustentável e de reforço da segurança pública priorizados pelo Ministério Público brasileiro sob o comando do novo procurador-geral da República, Dr. Augusto Aras”, disse Shuenquener.

Judith van Schoonderwoerd den Bezemer-Wolters, por sua vez, salientou que os conflitos que deflagram a violência doméstica são multifatoriais. Por essa razão, o papel do promotor de Justiça deve ir além da busca pela punição, incorporando a perspectiva da reabilitação dos infratores em sua atuação. Para isso, é fundamental a atuação conjunta com a polícia, com as áreas de execução penal e de liberdade condicional e com os serviços de assistência às vítimas.

Além disso, Judith van Schoonderwoerd den Bezemer-Wolters destacou que o sistema holandês permite a atuação de diferentes instâncias institucionais contra a violência doméstica antes mesmo do acionamento do Sistema de Justiça Criminal.

Segundo Bezemer-Wolters, "a constatação de uma situação de violência autoriza a polícia a adotar providências imediatas, como a expedição de uma ordem administrativa de exclusão do lar. Essa ordem também pode ser emitida pelos prefeitos municipais."

Em seguida, foi apresentada a abordagem de intervenção rápida do Ministério Público neerlandês para crimes de alta frequência e de alto volume, como os de violência doméstica. Nesse modelo, os promotores de Justiça se reúnem com a polícia, os órgãos de execução penal, o conselho tutelar, os serviços de proteção à criança e os serviços de segurança doméstica antes de decidirem os rumos da persecução penal.

"Há casos em que a intervenção criminal imediata pode comprometer o trabalho da rede de assistência. Por isso, nós buscamos integrar as informações disponíveis em cada órgão estatal antes de tomar uma decisão sobre o caso. Nesse contexto, o sistema penal é utilizado para apoiar e garantir a efetividade do sistema assistencial", explicou Bezemer-Wolters.

Na oportunidade, Valter Shuenquener comparou a realidade holandesa e a brasileira: “Dentro do Sistema de Justiça Criminal, há ocasiões em que o promotor de Justiça pode impor condições a serem observadas pelo infrator. Nos crimes de violência doméstica, percebo a preocupação das autoridades holandesas em inscrever o agressor em programas de tratamento para que o comportamento violento não mais se repita. Trata-se do reconhecimento de que o agressor também precisa ser ajudado para que se reduzam as reincidências. No Brasil, já existem iniciativas alinhadas a essa perspectiva, mas ainda precisamos avançar no tratamento e na reabilitação dos infratores. De todo modo, a experiência holandesa demonstra a importância de o Ministério Público estabelecer parcerias interinstitucionais a fim de lidar com as diversas problemáticas que circundam o fenômeno da violência contra a mulher”.

Visita ao Ministério da Saúde, Bem-Estar e Esportes da Holanda

saude1paintEm seguida, o conselheiro compareceu à reunião agendada com representantes do Ministério da Saúde, Bem-Estar e Esportes da Holanda: Claudia Lucardie, Myrthe Maijer e Bente van Oort. O órgão preparou uma apresentação em que expôs as políticas e os procedimentos adotados nos Países Baixos em relação à violência doméstica.

Claudia Lucardies destacou que as equipes de saúde, de assistência e de educação devem estar preparadas para reconhecer e reportar a existência de violência doméstica às autoridades. Por essa razão, o Ministério da Saúde, Bem-Estar e Esportes fornece diretrizes para que cada categoria profissional adote seu próprio código de conduta a respeito das notificações de violência doméstica.

"O código de conduta deve observar cinco passos elementares. Ao identificar sinais de violência doméstica, o profissional deve consultar um colega ou o serviço de segurança doméstica a fim de obter orientações. Em seguida, deve procurar conversar com os envolvidos no episódio violento para entender melhor a situação. Diante das informações coletadas, o profissional deve avaliar se houve violência doméstica e verificar se sua instituição é capaz de solucionar o problema ou se é necessário notificar o caso", explicou Bente von Oort.

saude2paintAlém disso, Myrthe Maijer apresentou dois exemplos de práticas bem-sucedidas no enfrentamento da violência doméstica: o programa Safety First e o protocolo MDA++. Nesse contexto, foi destacado que a abordagem holandesa sobre violência doméstica é bem mais ampla, considerando a família como um todo, e não apenas as mulheres. "Os dados demonstram que cerca de 70% das vítimas retornam ao ambiente familiar após o episódio violento, de modo que é melhor restaurar as relações familiares do que simplesmente isolar o agressor", disse Maijer.

Ao tratar da experiência brasileira, Valter Shuenquener observou que a CDDF/CNMP tem dado especial atenção à justiça universal em matéria de violência doméstica contra a mulher, além de empreender estudos para a elaboração e o aperfeiçoamento do FRIDA.

Segundo Valter Shuenquener, “a avaliação de risco é um recurso valioso na implementação de políticas públicas destinadas ao enfrentamento da violência doméstica. Esse instrumento possibilita que o Estado saia de uma posição passiva, como mero receptor de denúncias, e passe a atuar ativamente na garantia dos direitos fundamentais das mulheres, evitando o agravamento ou a repetição dos episódios de violência. No entanto, a intervenção sobre os riscos pressupõe, necessariamente, o envolvimento de outros setores do Estado, em especial aqueles que atuam nas áreas de educação, saúde e assistência social, para que as famílias sejam efetivamente amparadas, restauradas e transformadas”.

Reunião com o Ministério da Justiça e Segurança da Holanda

mjspaintAo final do dia, Valter Shuenquener reuniu-se com dois representantes do Ministério da Justiça e Segurança da Holanda, Esther de Lange e Leontien van der Knaap.

Na oportunidade, foi explicado que o Ministério da Justiça e Segurança da Holanda vem trabalhando para implementar normas e políticas relacionadas aos direitos das vítimas, inclusive das de violência doméstica, além de financiar organizações que forneçam assistência e apoio às vítimas.

Ademais, foi dito que os formuladores de políticas públicas na Holanda são apoiados por um centro de documentação e pesquisa científica, o Centro de Pesquisa e Documentação – WODC (Research and Documentation Centre), que promove estudos de acordo com as necessidades identificadas pelos ministérios. Atualmente, a Holanda promove questionários a cada dois anos sobre violência doméstica, coletando respostas de cerca de 23 mil participantes a cada edição da pesquisa.

Nesse contexto, Leontien van der Knaap, do WODC, destacou que "os dados indicam que a violência doméstica na Holanda está frequentemente associada à vulnerabilidade econômica das famílias."

Por sua vez, Ester de Lange explicou que a Holanda trabalha, atualmente, com uma abordagem geral da violência doméstica, independentemente da raça, cor, etnia, origem, gênero ou idade dos envolvidos.

Em resposta, Valter Shuenquener pontuou o seguinte: "no Brasil, o recorte de gênero é fundamental para compreender e delinear políticas públicas de enfrentamento da violência doméstica, pois as maiores acometidas por esse tipo de crime são as mulheres. Nesse contexto, os instrumentos de avaliação de risco, como o FRIDA, acabam assumindo um papel complementar, pois permitem a identificação de múltiplos fatores relacionados à vulnerabilidade das vítimas".

Foto: CDDF/CNMP.